A PELE DE SERPENTIK
O TÍTULO É UMA CONFISSÃO DISFARÇADA. UM DIAMANTE MORTO NÃO PROMETE ETERNIDADE; PROMETE REFLEXO. REFLET DANS UN DIAMANT MORT EXISTE NESSE INTERVALO ENTRE O BRILHO E A DECOMPOSIÇÃO, ENTRE A IMAGEM QUE SE SUSTENTA E A QUE SE ESTILHA. CATTERT E FORZANI CONSTROEM UM FILME ONDE NADA É FIXO, ONDE TODA IDENTIDADE É PROVISÓRIA, E ONDE O CINEMA SE TORNA UMA MÁSCARA QUE NÃO ESCONDE, MAS MULTIPLICA. AQUI, A FORMA NÃO TRANSPORTA A IDEIA: O MEIO É A MENSAGEM, E ESSA MENSAGEM É A INSTABILIDADE.
É FÁCIL PERDER-SE NO DESLUMBRAMENTO FORMAL: CORES SATURADAS ATÉ AO EXCESSO, SOM QUE FERE, MONTAGEM QUE CORTA COMO UMA LÂMINA, CORPOS FRAGMENTADOS EM DETALHES – OLHOS, UNHAS, SUPERFÍCIES, REFLEXOS. MAS ESTE NÃO É UM EXERCÍCIO DE ESTILO VAZIO. A OPÇÃO RADICAL POR ABANDONAR O REALISMO É UMA TOMADA DE POSIÇÃO. O FILME ASSUME-SE COMO PASTICHE, NÃO NO SENTIDO DA CITAÇÃO MORTA, MAS COMO GESTO VIVO DE HOMENAGEM E RECONFIGURAÇÃO: EUROSPY, BOND, FUMETTI NERI, SPAGHETTI WESTERN, E, DE FORMA DECISIVA, O GIALLO ITALIANO, COM O SEU FETICHISMO DO OLHAR, A SUA VIOLÊNCIA ESTILIZADA, A SUA LÓGICA ONÍRICA. CATTERT E FORZANI SABEM QUE A HISTÓRIA JÁ ESTÁ NA NOSSA CABEÇA. NÃO PRECISAM DE CONTÁ-LA. O QUE LHES INTERESSA É O QUE ACONTECE QUANDO ESSA HISTÓRIA É DESMONTADA, ACELERADA, REPETIDA ATÉ SE TORNAR PURO SENSO.
JOHN DIMAN, NO CORPO CANSADO DE FABIO TESTI, É UM HOMEM CERCADO POR ESPELHOS. TALVEZ TENHA SIDO UM ESPIÃO. TALVEZ TENHA SIDO APENAS UM ATOR. TALVEZ NUNCA TENHA SIDO NADA DISSO. A MEMÓRIA, AQUI, NÃO É UM RECURSO NARRATIVO, MAS UMA ARMADILHA SENSORIAL. O PASSADO SURGE EM FLASHES, EM FANTASIAS, EM CENAS QUE SE SOBREPOEM SEM HIERARQUIA, COMO NUM GIALLO DESPROVIDO DE SOLUÇÃO FINAL. PASSADO E PRESENTE COLIDEM, E A IDENTIDADE FRAGMENTA-SE AO RITMO DA MONTAGEM. CADA REFLEXO DEVOLVE-LHE UM ROSTO DIFERENTE. O DUPLO NÃO É UMA AMEAÇA EXTERNA; É A CONDIÇÃO NATURAL DO SUJEITO CINEMATOGRÁFICO.
É AQUI QUE SURGE SERPENTIK. ASSASSINA METAMÓRFICA, CORPO SEM ROSTO FIXO. IDEIA DE MUITAS PELES QUE VAI DEIXANDO PARA TRÁS E TROCA POR OUTRAS, NÃO POR MOTIVAÇÕES BIOLÓGICAS, MAS SIM FENOMENOLÓGICAS. UMA FIGURA EXTRAÍDA TANTO DE IRMA VEP COMO DAS MULHERES-MISTÉRIO DO GIALLO. ELA É TODAS E NENHUMA. UMA MÁSCARA QUE CIRCULA ENTRE CORPOS, EXPONDO A LÓGICA DO DESEJO DE SÉRIE. AO PARTIR DA FIGURA DA BOND GIRL – ESSENCIALMENTE INTERCAMBIÁVEL – O FILME DEVOLVE ESSA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA AO HERÓI. DIMAN PERCEBE QUE TAMBÉM ELE É SUBSTITUÍVEL. “DIMAN” NÃO É UMA PESSOA, MAS UM SIGNO, UMA FUNÇÃO, UM PAPEL À ESPERA DE SER REENCARNADO NUM CORPO MAIS JOVEM, MAIS EFICIENTE, MAIS DESEJÁVEL.
CATTERT E FORZANI FILMAM ESTA DESCOBERTA COMO UM PESADELO EXISTENCIAL FILTRADO POR UMA ESTÉTICA DE EXCESSO. COMO EM SEIJUN SUZUKI, O GÉNERO NÃO FAZ SENTIDO PORQUE NÃO PRECISA DE FAZER: É UM PARQUE DE DIVERSÕES PLÁSTICO, UM LABORATÓRIO DE FORMAS, MAS TAMBÉM UM ESPAÇO DE ANGÚSTIA HUMANA MUITO CONCRETA. A AÇÃO NÃO RESOLVE; REPETE-SE. OS MOTIVOS RETORNAM. AS MÁSCARAS ACUMULAM-SE. A NARRATIVA DESFAZ-SE EM RITMO, COR, TEXTURA. O MEIO É A MENSAGEM: UM CINEMA ONDE A EXPERIÊNCIA SENSORIAL É O CONTEÚDO, E ONDE A IDENTIDADE SE DISSOLVE NA SUPERFÍCIE. UM DAQUELES CARROSSÉIS DE QUE NOS AVISAM, COM ARGUMENTOS VIRTUALMENTE INDESTRUTÍVEIS, AQUI DESTRUÍDOS COMPLETAMENTE: AFINAL, ISTO TAMBÉM É CINEMA.
NO FUNDO, REFLET DANS UN DIAMANT MORT É UM FILME SOBRE O CINEMA COMO ARTE DO DISFARCE. UMA ARTE DE DUPLOS, DE REFLEXOS, DE PAPÉIS QUE SOBREVIVEM AOS CORPOS QUE OS HABITAM. TÃO HIPNÓTICO NO MOMENTO A MOMENTO QUE QUASE NOS ESQUECEMOS DO QUE ESTÁ EM JOGO: A IDEIA DE QUE SER ALGUÉM É, TALVEZ, APENAS OCUPAR UMA IMAGEM DURANTE ALGUM TEMPO. DEPOIS, COMO NUM GIALLO OU NUM FILME DE ESPIÕES ESQUECIDO DOS ANOS 60, O CORPO CAI, A MÁSCARA PERMANECE – E O DIAMANTE CONTINUA A BRILHAR, FRIO, INDIFERENTE, CONTENDO EM SI O POTENCIAL REFLEXO DE TODOS OS ROSTOS DO MUNDO.
120 DIAS DE CINEMA 