120 DIAS DE CINEMA

SOBRE COBRE, DE NICOLÁS PEREDA

FIEL À SUA OBSESSÃO PELOS SILÊNCIOS, PELO TEMPO QUE NÃO PASSA E PELOS CORPOS QUE APENAS AGUENTAM, NICOLÁS PEREDA FILMA LÁZARO COM A MESMA ATENÇÃO HIPNÓTICA COM QUE OUTROS FILMAM HERÓIS DE GUERRA. MAS AQUI NÃO HÁ GLÓRIA, NEM GRANDEZA: HÁ UM HOMEM QUE MAL RESPIRA, ARRASTANDO-SE PELO MUNDO ENTRE A DESCONFIANÇA DOS OUTROS E OS DO ASSOBIOS DOS SEUS PULMÕES. O QUE NOS SOBRA, A NÓS ESPECTADORES, É A AUSÊNCIA DE AR, A FADIGA, O LENTO DESFAZER DE UM SER HUMANO NUM LUGAR ONDE ATÉ A LUZ SE MOVE A CONTRAGOSTO.

AO REALIZADOR BASTOU REVELAR-NOS A VERDADEIRA POLÍTICA DO CORPO. OS ZOOMS NÃO SÃO PARA DENÚNCIA, SÃO PARA NOS FAZER SENTIR O ATRITO DO MINÉRIO (SEMPRE EM FORA DE CAMPO) NA CARNE, O PESO DOS OLHARES QUE NÃO ACREDITAM EM LÁZARO, O ÍNFIMO DESLIZE DE UM HOMEM QUE, QUANDO MENTE, Vê OS SEUS OLHOS A FICAREM VERDES. O ENREDO ONDE SE ENCONTRA É FEITO DE CONSULTAS QUE NÃO ACONTECEM, DE TÍMIDAS SUSPEITAS, DE EMPREGOS QUE SUFOCAM MAIS DO QUE PAGAM. E, COMO SEMPRE EM PEREDA, TUDO ISTO PARECE NASCER DE UM MUNDO QUE NÃO TEM PRESSA NENHUMA DE SE EXPLICAR.

MAS COBRE FUNCIONA, SOBRETUDO, COMO UM ESTUDO DE PERSONAGEM – UM CHARACTER STUDY SEM O VERNIZ DA PALAVRA INGLESA. PEREDA QUER SABER QUANTO PODE FILMAR UM ROSTO ANTES DE ELE SE TORNAR PAISAGEM, QUANTO PODEMOS VER UM HOMEM A FALHAR, A ESPERAR, A SONHAR COM MORTOS QUE CHUPAM LIMÕES PARA NÃO APODRECER, ANTES DE PERCEBERMOS QUE O QUE AQUI ESTÁ EM CAUSA NÃO É O ENREDO, MAS A FORMA COMO LÁZARO EXISTE NO TEMPO. É UM CINEMA QUE ESCAVA: ESCAVA O HOMEM, ESCAVA A MINA, ESCAVA A IMAGEM. E É NESSE ESCAVAR QUE A FICÇÃO TOCA O REAL, NÃO POR MILAGRE, MAS PELO DESGASTE.

HÁ MOMENTOS EM QUE PEREDA PARECE QUASE CEDER ÀS REGRAS DO THRILLER – O TANQUE DE OXIGÉNIO COMO MCGUFFIN TRISTE, A TIA QUE DESAPARECE NA NOITE, A AMEAÇA SURDA DE UM SISTEMA QUE PODE BEM ANDAR A ENTERRAR GENTE VIVA. MAS NADA DISTO GANHA AO RITMO VAGAROSO DE TUDO AQUILO. É COMO SE O FILME RECUSASSE O BATIMENTO DOS OUTROS FILMES: LÁZARO SEGUE DE MOTA E A MOTA AVARIA, ROSA DESAPARECE E LOGO APARECE DE NOVO, OS MORTOS GUARDAM SEGREDOS QUE FICAM POR SER REVELADOS. O THRILLER DERRETE-SE E FICA SÓ O HOMEM. O QUE INTERESSA É O HOMEM.

A BELEZA DISTO TUDO – E É UMA BELEZA SÉPIA, DOENTE, COMO A LUZ QUE ENTRA NA CASA ONDE MORA LÁZARO E A SUA FAMÍLIA – ESTÁ NO MODO COMO PEREDA FILMA A VIDA QUANDO A VIDA PARECE NÃO TER SAÍDA. NÃO HÁ LIÇÃO, NÃO HÁ ALEGORIA ARRUMADA, NÃO HÁ “MENSAGEM PARA LEVAR PARA CASA”. O QUE HÁ É PRESENTE PURO: UM HOMEM A TENTAR RESPIRAR, UM SISTEMA A APERTAR, UM MUNDO A GIRAR AO LADO DO CADÁVER QUE NINGUÉM QUERIA TER DE VER.

NUM TEMPO EM QUE TUDO PEDE EXPLICAÇÃO RÁPIDA E OPINIÃO FORMATADA, COBRE É UMA OBSTRUÇÃO, UMA PARAGEM OBRIGATÓRIA, UM CORPO NO ECRÃ QUE NÃO SERVE PARA ILUSTRAR NADA A NÃO SER A SI MESMO. E SE, AO SAIRMOS DA SALA, NOS SENTIMOS UM POUCO ENGANADOS – POR ESPERARMOS O FILME POLÍTICO, O FILME DE MISTÉRIO, O FILME DE DENÚNCIA – TANTO MELHOR. PEREDA LEMBRA-NOS QUE O CINEMA, QUANDO QUER, NÃO CONFIRMA NADA: SÓ ABRE UM ESPAÇO PARA VER. E, NO CASO DE LÁZARO, PARA RESPIRAR, MESMO QUE OFEGANTE.