SOBRE CACHÉ, DE MICHAEL HANEKE
NADA A ESCONDER É REALMENTE UM EXCELENTE TÍTULO PORTUGUÊS PARA O FILME DO HANEKE. NELE CONTEM-SE O QUE PESSOALMENTE CONSIDERO A MAIOR PROBLEMÁTICA, OU PELO MENOS A NOTA SINTOMÁTICA DA GRANDE QUESTÃO, DO FILME. PORQUE É QUE GEORGES – PELO SEU PAPEL COMO PERSONAGEM NUM FILME, E NÃO PELA PSICOLOGIA DESSA PERSONAGEM – ESCONDE A ANNE POR DUAS VEZES MOMENTOS DO SEU PASSADO? SERÁ PARA QUE NO FINAL, QUANDO HÁ A REVELAÇÃO, HAJA UM IMPACTO MELODRAMÁTICO? NÃO ME PARECE, AINDA POR MAIS, CONSIDERANDO AQUELES ACONTECIMENTOS PELO SEU VALOR LITERAL, CLARAMENTE NÃO HÁ RELAÇÃO CAUSA-CONSEQUêNCIA ENTRE O QUE ACONTECE A MAJID E ESTES momentos DO SEU PASSADO COM GEORGES. OU SERÁ QUE HÁ? ESSA É A DÚVIDA MAIS PROFUNDA QUE HÁ NOUTROS ELEMENTOS E PASSAGENS DO FILME, MAS QUE AQUI ESTÁ CONDENSADA e no seu esplendor máximo.
DEPOIS, HÁ A QUESTÃO DA TRANSGRESSÃO, DO CHOQUE E DO TERROR. ESTE CHOQUE HÁ, VISCERALMENTE, NO QUE ACONTECE A MAJID. CERTO. MAS O MAIOR CHOQUE DO TODOS, É nA REVELAÇÃO QUE ACONTECE SE O ESPECTADOR, COMO UM VERDADEIRO STALKER, UM PEEPING TOM, TOMAR ATENÇÃO AO QUE ACONTECE NO MEIO DO CAOS DAQUELE LONGUÍSSIMO PLANO QUE SE ARRASTA ATÉ AOS CRÉDITOS FINAIS. E NOTE-SE: O CHOQUE NÃO está na REVELAÇÃO, Éstá na PERPETUAÇÃO DA DÚVIDA. tanto mais intensa quanto o amontoar no espectador TODAS AS CAMADAS DE DESENVOLVIMENTO SOBRE O TRAUMA DAQUELAS PERSONAGENS, SOBRE O TRAUMA QUE HÁ DE INERENTE NO DISPOSITIVO DO VÍDEO E DAS IMAGENS EM MOVIMENTO, E SOBRE O TRAUMA DOS PRÓPRIOS ESPECTADORES QUANDO CONFRONTADOS DE UM MODO COMPLETAMENTE CRU com OS SEUS VALORES E PERCEÇÕES RELATIVAMENTE ÀS SUAS RELAÇÕES INTERCULTURAIS E INTERSOCIAIS, E a sua natureza RACIALIZADA.
DEIXO ABAIXO UM RECORTE DA FOLHA DE SALA QUE ESCREVI PARA A SESSÃO QUE O CINECLUBE DE POMBAL VAI FAZER NO PRÓXIMO DIA 08 DE MAIO DESTE GRANDE FILME.
—
AINDA QUE PROGRAMADO JÁ HÁ ALGUMAS SEMANAS CONSIDERÁVEIS PELO CINECLUBE DE POMBAL, CACHÉ (2005) PARECE SER UM FILME PERFEITO PARA PROLONGAR O DEBATE SOBRE UM ASSUNTO EM ESPECÍFICO QUE VEIO À BAILA NOS ÚLTIMOS DIAS, INICIADO por NADA MAIS NADA MENOS QUE pelO PRÓPRIO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. ISTO PORQUE NÃO SE PODE FALAR DE REPARAÇÕES ÀS EX-COLÓNIAS SEM NOS REFERIRMOS À DIMENSÃO EXTENSÍSSIMA E PROFUNDAMENTE COMPLEXA DE TRAUMA INTERGERACIONAL. E O QUE ESTE FILME DE MICHAEL HANEKE (E TODA A SUA OBRA, NA VERDADE) CONSEGUE BRILHANTEMENTE ILUSTRAR DENTRO DESTA TEMÁTICA É A FACILIDADE COM QUE ATRAVÉS DOS DIVERSOS DISPOSITIVOS DA IMAGEM EM MOVIMENTO – QUE JÁ TRANSCENDEM NOÇÕES ARCAICAS DE CINEMA MESMO QUE COM ELE SE INEVITAVELMENTE RELACIONEM (E RELATIVAMENTE À QUESTÃO METACINEMATOGRÁFICA, JÁ LÁ VOU) – SE FAZEM RELAÇÕES DE QUESTÕES DE TRAUMA ESTRUTURAL E UM TRAUMA PESSOAL, VENDO ESTE ÚLTIMO NO FILME REPRESENTADO MESMO NUMA PERSPETIVA DA PSICOLOGIA CLÁSSICA. E ATRAVÉS DESSA MAGIA DO CINEMA, DA DIALÉTICA DE IDEIAS, NÃO SE CHEGANDO A NENHUMA CONCLUSÃO COM A CLAREZA QUE ACHAMOS QUE DESEJAMOS, ENALTECE-SE O DISCURSO SOBRE ESTES DOIS PARADIGMAS.
SOBRE A QUESTÃO METACINEMATOGRÁFICA DO FILME, E SEM CAIR EM SOBRE-ANÁLISE NO QUE SE CALHAR É SOMENTE O FACE-VALUE DO OBJETO DOS VÍDEOS DE VIGILÂNCIA E OS SEUS ‘ESPECTADORES’ NO FILME, NUMA RELAÇÃO TAMBÉM DE TRAUMA, VEJAMOS COMO ESTAS CAMADAS EXISTEM ATÉ MESMO A UM NÍVEL DE DECISÕES FORMAIS E DE MONTAGEM NO FILME. A CÂMARA OBSERVA DE UM MODO ASSUSTADORAMENTE PRÓXIMO. NÃO PELOS CLOSE-UPS, MAS SIM PELA CLARA ILUSÃO DE FAZER COM QUE CENAS QUE NÃO FAZEM PARTE DOS TAIS VÍDEOS DEIXADOS NA CASA DE GEORGES PAREÇAM ESTAR A SER FILMADAS DE UM MODO APARENTEMENTE AMADOR. HÁ MOMENTOS EM QUE QUASE CONSEGUIMOS CONTAR OS PASSOS QUE O OPERADOR DE CÂMARA DÁ NUM GESTO DE MOVIMENTO OBJETIVO DA LENTE. ISTO combinado COM A MONTAGEM QUE ARBITRARIAMENTE NÃO PONTUA AS TRANSIÇÕES ENTRE SONHOS, NARRATIVA PRINCIPAL E IMAGENS DE VÍDEO, E EM CONJUNTO TAMBÉM COM AS CAMADAS DE IMAGEM EM MOVIMENTO NA MISE-EN-SCÈNE, SEJAM ELAS PLANOS DENTRO DE PLANOS OU MOMENTOS MAIS ÓBVIOS DE POR EXEMPLO TELEVISORES A PASSAR NOTICIÁRIOS, PROPICIA AO ESPECTADOR NÃO SÓ UMA FÚTIL DESORIENTAÇÃO, MAS UMA IMERSÃO PROFUNDA COM A PRÓPRIA IDEIA DE CINEMA, VÍDEO, VIGILÂNCIA, INFORMAÇÃO, COMUNICAÇÃO, E TODOS OS OUTROS TEMAS QUE ABORDA.
RECORTES DA FOLHA DE SALA NR. 43 DO CINECLUBE DE POMBAL, 08/05/2024
120 DIAS DE CINEMA 