DE luiz pacheco

comunidade é um texto para todos aqueles sem casa. não só aqueles que não têm casa, mas que nunca conheceram isso de ter uma casa, um lar.
em 1964 luiz pacheco, segundo alguns críticos, parece destoar do que tem vindo a habituar os seus leitores: digressões sobre a imundice e a libertinagem. no entanto, tendo a discordar. comunidade está para, por exemplo, o libertino passeia por braga, a idolátrica, o seu esplendor, em articulação de absoluto différance. atingindo assim, como é raro ver na obra de qualquer artista ou escriba, um sentimento de existência absoluta.
mas falemos de comunidade. falemos do toque, do sabor e do cheiro. não para dentro, mas de um para o outro. onde estão cinco, está um. e é nesse gesto de conexão, através de laivos de loucura e hipérbole de experiência háptica entre corpos, que se comunga a humanidade. não é a família, palavra feia, são mesmo as forças recônditas de estar com o outro porque se quer, e, em silêncio, existir reciprocidade.
deixemos este o nosso nabal à beira-mar e revisitemos abertamente a obra de luiz pacheco, com vontade de mudança e de aprender a estar, que depois das eleições já deu para perceber que isto já deu o que tinha a dar.
«Não sei nada. Duvido de tudo. Desci ao fundo dos fundos, lá onde se confunde a lama com o sangue, as fezes, o pus, o vómito; fui até às entranhas da Besta e não me arrependo. Nada sei do futuro, e o passado quase esqueci. Li muito e foi pior.» [Edição forja editora, com ilustrações de mar, 1985]